Depois da passagem pela Líbia, a travessia do Mediterrâneo é uma das etapas mais perigosas da viagem dos migrantes que partem da África em busca de uma Europa que os acolha. No último ano na Itália, a prestação de socorro feita por embarcações de organizações não-governamentais, assim como pelas guardas costeiras foram periodicamente criminalizadas por diversos sujeitos políticos e institucionais. A mensagem era cessar o socorro, porque assim cessariam de chegar os doentes. Em uma propagação midiática com evidências de inveracidade, questiono como podemos imaginar uma gramática que possa dar conta de fragilizar esse imaginário que vota por políticas de restrição e portas fechadas, enquanto divide em categorias vidas que são passíveis de luto e outras não. Após as experiências da Segunda Guerra Mundial, Emmanuel Levinas em sua obra Totalidade e Infinito, debate o próprio conceito de humanismo e propõe o rompimento com a lógica da tradição filosófica ocidental. Segundo ele, essa tradição impõe a resolução dos conflitos a partir da dissolução do Outro, no sentido de reduzi-lo ao Mesmo. Sua proposta é uma relação partindo não da violência da redução, mas do acolhimento do rosto dessa alteridade que nos interpela através da linguagem. Na conjuntura política italiana e europeia da última década, a retórica contra imigração é bastante específica: o imigrante indesejado, ainda que em menor número, é aquele que chega pelo mar. O Mediterrâneo, conhecido também como Mare Nostrum, não é nosso na verdade; ele pertence aos que nomeiam e deliberam sobre os mares interiores. Ainda que seja um mar compartilhado entre Europa, África e Oriente Médio. O direito à viagem escasseia de um lado da margem. Diante de embarcações que se encontram impedidas de lançar âncoras, a demanda por uma responsabilidade ética, a meu ver, torna-se urgente. Proponho então a releitura dessa gramática sobre os discursos em torno do Mediterrâneo a partir da obra “Diritto al viaggio. Abbecedario delle migrazioni”. Organizada por Luca Barbari e Francesco de Vana, a reunião de quarenta e cinco verbetes tenta apontar uma epistemologia que nos leve a aprender ou re-aprender a ler e escrever o fenômeno migratório, em um mar que ainda reivindica para si o adjetivo de nostrum.

Por uma gramática que nos permita ler como nostrum o Mediterrâneo / G. Frederico. ((Intervento presentato al convegno The Sea in the 20-21st centuries and the “forbidden migrations" tenutosi a Lisboa nel 2019.

Por uma gramática que nos permita ler como nostrum o Mediterrâneo

G. Frederico
2019

Abstract

Depois da passagem pela Líbia, a travessia do Mediterrâneo é uma das etapas mais perigosas da viagem dos migrantes que partem da África em busca de uma Europa que os acolha. No último ano na Itália, a prestação de socorro feita por embarcações de organizações não-governamentais, assim como pelas guardas costeiras foram periodicamente criminalizadas por diversos sujeitos políticos e institucionais. A mensagem era cessar o socorro, porque assim cessariam de chegar os doentes. Em uma propagação midiática com evidências de inveracidade, questiono como podemos imaginar uma gramática que possa dar conta de fragilizar esse imaginário que vota por políticas de restrição e portas fechadas, enquanto divide em categorias vidas que são passíveis de luto e outras não. Após as experiências da Segunda Guerra Mundial, Emmanuel Levinas em sua obra Totalidade e Infinito, debate o próprio conceito de humanismo e propõe o rompimento com a lógica da tradição filosófica ocidental. Segundo ele, essa tradição impõe a resolução dos conflitos a partir da dissolução do Outro, no sentido de reduzi-lo ao Mesmo. Sua proposta é uma relação partindo não da violência da redução, mas do acolhimento do rosto dessa alteridade que nos interpela através da linguagem. Na conjuntura política italiana e europeia da última década, a retórica contra imigração é bastante específica: o imigrante indesejado, ainda que em menor número, é aquele que chega pelo mar. O Mediterrâneo, conhecido também como Mare Nostrum, não é nosso na verdade; ele pertence aos que nomeiam e deliberam sobre os mares interiores. Ainda que seja um mar compartilhado entre Europa, África e Oriente Médio. O direito à viagem escasseia de um lado da margem. Diante de embarcações que se encontram impedidas de lançar âncoras, a demanda por uma responsabilidade ética, a meu ver, torna-se urgente. Proponho então a releitura dessa gramática sobre os discursos em torno do Mediterrâneo a partir da obra “Diritto al viaggio. Abbecedario delle migrazioni”. Organizada por Luca Barbari e Francesco de Vana, a reunião de quarenta e cinco verbetes tenta apontar uma epistemologia que nos leve a aprender ou re-aprender a ler e escrever o fenômeno migratório, em um mar que ainda reivindica para si o adjetivo de nostrum.
28-nov-2019
Imigração; refugiados; direitos humanos
Settore SPS/11 - Sociologia dei Fenomeni Politici
Universidade Nova de Lisboa
Por uma gramática que nos permita ler como nostrum o Mediterrâneo / G. Frederico. ((Intervento presentato al convegno The Sea in the 20-21st centuries and the “forbidden migrations" tenutosi a Lisboa nel 2019.
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